A evolução dos sistemas planetários não termina com a dissipação do disco protoplanetário, nem permanece estática durante a vida da estrela na Sequência Principal. Pelo contrário, a arquitetura orbital é sujeita a uma dinâmica secular contínua, culminando frequentemente num cataclismo violento e transformador. Durante a maior parte da história da astronomia, a interação entre planetas e as suas estrelas hospedeiras nas fases finais da evolução estelar foi tratada através de modelos teóricos e inferências estatísticas indiretas. A estabilidade aparente do nosso Sistema Solar mascara a violência inerente à evolução galáctica: à medida que estrelas de massa baixa e intermédia esgotam o hidrogénio no núcleo e ascendem ao Ramo das Gigantes Vermelhas (RGB) ou ao Ramo Assintótico das Gigantes (AGB), sofrem expansões radiais drásticas que alteram fundamentalmente o potencial gravitacional e o ambiente térmico dos seus sistemas.1
Este processo, denominado engolimento planetário, representa uma fase crítica, embora breve, no ciclo de vida cósmico. Historicamente, a evidência deste fenómeno limitava-se a “cenas de crime” forenses: anomalias na composição química fotosférica, rotações estelares inexplicavelmente rápidas e a ausência estatística de planetas de curto período em torno de estrelas evoluídas. No entanto, a deteção do evento transiente ZTF SLRN-2020 (ZTF20aazusyv) marcou uma mudança de paradigma, fornecendo a primeira observação direta, resolvida no tempo, de uma estrela semelhante ao Sol a consumir um gigante gasoso.1
Este relatório apresenta uma análise exaustiva do fenómeno de engolimento planetário. Examinaremos a física subjacente à interação hidrodinâmica e gravitacional em envelopes estelares convectivos, dissecaremos o evento ZTF SLRN-2020 como o caso de estudo fundamental, avaliaremos as assinaturas químicas persistentes (com ênfase na controvérsia do Lítio), e projetaremos as taxas de ocorrência que futuras instalações, como o Observatório Vera C. Rubin, deverão revelar. A análise estende-se ainda às previsões específicas para sistemas conhecidos, como Rho Coronae Borealis, e às implicações para a arqueologia galáctica e a demografia exoplanetária.
Fundamentos Teóricos da Interação Estrela-Planeta em Fases Pós-Sequência Principal
A compreensão do engolimento planetário exige uma integração robusta da física estelar evolutiva com a dinâmica orbital sob forças de maré dissipativas. A transição de uma estrela da Sequência Principal para a fase de gigante envolve não apenas um aumento de luminosidade, mas mudanças estruturais profundas que ditam o destino dos corpos em órbita.
Evolução Estrutural e Expansão Radial
Estrelas com massas entre 0,8 e 8 massas solares ($M_{\odot}$) terminam a fusão de hidrogénio no núcleo e iniciam a fusão em camada (“shell burning”). A resposta do envelope estelar é uma expansão dramática e um arrefecimento superficial, acompanhado pelo aprofundamento da zona convectiva.
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Fase RGB (Red Giant Branch): O raio estelar pode expandir-se até 100 vezes o raio solar ($R_{\odot}$), engolfando a região correspondente à órbita de Mercúrio e Vénus no Sistema Solar.4 A convecção torna-se o modo dominante de transporte de energia nas camadas exteriores, o que é crucial para a viscosidade turbulenta que impulsiona a dissipação de maré.
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Fase AGB (Asymptotic Giant Branch): Após a queima do hélio no núcleo, a estrela expande-se novamente, atingindo luminosidades e raios ainda maiores. Instabilidades térmicas nesta fase (pulsos térmicos) podem levar a variações de raio rápidas e perda de massa intensa.
A Dinâmica Orbital: Competição Adiabática e Dissipativa
O destino de um planeta é decidido por uma competição entre dois processos físicos fundamentais que atuam em direções opostas sobre o semieixo maior da órbita ($a$).
Expansão Adiabática (Migração para o Exterior)
A medida que a estrela evolui, perde massa através de ventos estelares. Se esta perda de massa for isotrópica e ocorrer numa escala de tempo muito maior que o período orbital do planeta ($\tau_{mass} \gg P_{orb}$), a conservação do momento angular orbital específico dita que a órbita do planeta se expanda adiabaticamente. A relação aproximada é dada por $a(t) \cdot M_*(t) = \text{constante}$.
Este mecanismo fornece uma via de “fuga” para planetas em órbitas intermédias, permitindo-lhes migrar para fora do alcance do envelope em expansão, desde que as forças de maré não sejam dominantes.5
Decaimento Orbital por Marés (Migração para o Interior)
Em oposição à expansão adiabática, as forças de maré atuam para reduzir o semieixo maior. As gigantes vermelhas, devido à conservação do momento angular durante a expansão, rodam tipicamente muito devagar. Consequentemente, para qualquer planeta próximo, a frequência orbital do planeta ($\Omega_{pl}$) excede a frequência de rotação da estrela ($\Omega_*$).
Esta discrepância ($\Omega_{pl} > \Omega_*$) cria um bojo de maré na estrela que “atrasa” em relação à posição do planeta. A interação gravitacional entre o planeta e este bojo atrasado exerce um torque negativo no planeta, transferindo momento angular orbital para a rotação da estrela (spin-up) e causando o decaimento orbital do planeta.6
A eficiência deste processo depende criticamente da dissipação de energia no interior da estrela, frequentemente parametrizada pelo fator de qualidade de maré ($Q$). Nas gigantes vermelhas, a espessa zona convectiva gera uma viscosidade turbulenta elevada, tornando a dissipação de maré extremamente eficiente. Quando a escala de tempo do decaimento orbital se torna menor que a escala de tempo da evolução estelar (ou perda de massa), o planeta está condenado a cruzar o Raio de Roche e ser engolido.8
Hidrodinâmica da Interação e Choques
Uma vez que o planeta entra em contacto com a atmosfera estelar ténue, a física muda de um regime puramente gravitacional para um regime hidrodinâmico complexo.
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Arrasto Aerodinâmico (Drag): O movimento supersónico do planeta através do gás estelar gera ondas de choque e arrasto dinâmico, acelerando a espiralização em direção ao núcleo.
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Excentricidade e “Pastoreio”: Simulações recentes 8 indicam que, se a órbita for excêntrica, o planeta pode passar por múltiplos episódios de “pastoreio” (grazing) no periastro antes do mergulho final. Estas passagens excitam modos de oscilação na estrela e geram choques que podem ejetar camadas superficiais do envelope estelar muito antes do engolimento total.
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Ejeção de Envelope: A energia orbital dissipada é depositada no envelope estelar na forma de calor. Se a taxa de deposição de energia exceder a capacidade da estrela de irradiar ou transportar essa energia convectivamente, o envelope pode tornar-se instável e ser ejetado, resultando num transiente luminoso.9
ZTF SLRN-2020: O Evento de Referência
A descoberta do transiente ZTF SLRN-2020 (ZTF20aazusyv) constitui o marco observacional que validou décadas de teoria. Localizado a aproximadamente 12.000 (ou 15.000, dependendo da calibração de distância) anos-luz na constelação de Águila, este evento foi o primeiro a ser inequivocamente identificado como a ingestão de um planeta joviano por uma estrela semelhante ao Sol.1
Cronologia da Descoberta e Observações Multicomprimento de Onda
A deteção e caracterização deste evento exigiram uma coordenação global de observatórios e a análise de dados de arquivo. A tabela abaixo resume a sequência de observações e as suas implicações físicas.
Tabela 1: Cronologia e Caracterização do Evento ZTF SLRN-2020
| Fase Temporal | Instrumento/Observatório | Fenómeno Observado | Interpretação Física | Fonte |
| T – 9 Meses | NEOWISE (Espaço, IV) | Aumento gradual e persistente do brilho no infravermelho médio. | Início da interação “pastoril”. O planeta, ao roçar a atmosfera estelar, ejetou gás que arrefeceu e condensou em poeira circumstelar ($\sim 1000$ K). | 3 |
| T = 0 (Maio 2020) | ZTF (Palomar, Ótico) | “Flash” ótico rápido (~10 dias) com aumento de brilho de $\sim 100\times$. | O momento do mergulho final ou rutura do planeta. A energia cinética foi convertida em calor, expandindo e iluminando a fotosfera temporariamente. | 3 |
| T + Meses | Keck (Espectroscopia) | Espectros dominados por bandas moleculares frias (óxidos) e linhas de absorção de metais. | O envelope ejetado arrefeceu rapidamente, formando uma fotosfera complexa tipo M-tardia, rica em moléculas formadas no material ejetado. | 3 |
| T + 1 Ano | NEOWISE / Spitzer | Persistência de emissão infravermelha de longa duração. | Formação de uma casca de poeira estável e em expansão, reprocessando a luz da estrela central. | 1 |
Análise Energética e Classificação SLRN
O evento desafiou as classificações tradicionais de transientes estelares.
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Défice de Luminosidade: O pico de luminosidade ótica foi notavelmente baixo ($10^{35}$ erg/s) e a energia total radiada foi de apenas $\approx 6,5 \times 10^{41}$ erg.9 Estes valores são cerca de 1000 vezes inferiores aos observados em fusões estelares típicas (Luminous Red Novae – LRN), onde duas estrelas colidem.
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Restrições de Massa do Progenitor: A baixa energia permitiu restringir a massa do corpo secundário. A modelagem indica que o objeto engolido tinha uma massa entre 1 e 10 massas de Júpiter ($M_J$). Um objeto mais massivo, como uma anã castanha de alta massa ou uma estrela anã M, teria libertado energia gravitacional suficiente para produzir um transiente muito mais brilhante.9
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Nova Vermelha Subluminosa (SLRN): O evento definiu uma nova classe de transientes: as Sub-luminous Red Novae. Ao contrário das novas clássicas (explosões termonucleares na superfície de anãs brancas) ou das supernovas (colapso do núcleo), as SLRNs são alimentadas puramente pela libertação de energia potencial gravitacional e possivelmente pela recombinação de hidrogénio no material ejetado.14
Mecanismos de Ejeção de Poeira e Assinaturas Espectrais
Uma das características mais diagnósticas de ZTF SLRN-2020 foi a sua assinatura espectral rica e a evolução da poeira.
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Precursores de Poeira: A deteção infravermelha antes do pico ótico é crucial. Sugere que o planeta não mergulhou diretamente, mas sofreu um decaimento orbital que envolveu a ejeção de material da superfície estelar durante meses.15 O estudo de De et al. (2023) e MacLeod et al. (2023) propõe que o planeta ejetou entre $10^{-6}$ e $10^{-4} M_{\odot}$ de material.16
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Composição Química: Espectros de acompanhamento (incluindo dados do JWST mencionados em literatura recente 1) revelaram a presença de água, monóxido de carbono e outras moléculas típicas de atmosferas frias estelares, mas também potenciais assinaturas de fosfina, uma molécula associada a interiores de gigantes gasosos, sugerindo a detecção direta de material planetário vaporizado.18
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Geometria da Ejeção: Existe um debate ativo sobre a geometria do remanescente. Enquanto a emissão infravermelha sugere uma casca de poeira, a dinâmica do momento angular pode ter levado à formação de um disco de acreção temporário e jatos polares, resultando numa morfologia bipolar semelhante à observada em nebulosas planetárias jovens.14 A velocidade de expansão da poeira foi medida em $\approx 35$ km/s, consistente com velocidades de escape de gigantes vermelhas.14
Assinaturas Observacionais Pós-Engolimento: Arqueologia Estelar
Após o evento transiente, a estrela regressa ao equilíbrio hidrostático, mas fica permanentemente alterada. Estas alterações, ou “cicatrizes”, permitem aos astrónomos identificar estrelas que consumiram planetas no passado, muito depois do brilho da explosão ter desaparecido.
A Controvérsia do Enriquecimento de Lítio
O Lítio (Li) é um elemento chave na astrofísica estelar devido à sua fragilidade nuclear; é destruído a temperaturas de apenas $\sim 2,5 \times 10^6$ K.
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O Problema do Lítio em Gigantes: A teoria da evolução estelar prevê que as gigantes vermelhas, com as suas profundas zonas convectivas, devem diluir o Li superficial (trazendo material pobre em Li do interior), resultando em baixas abundâncias. No entanto, observações mostram que uma fração significativa (~1-2%) de gigantes vermelhas são anomalamente ricas em Li.19
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Hipótese de Poluição Planetária: Como os planetas e anãs castanhas não atingem temperaturas suficientes para queimar Li, retêm a sua abundância primordial. A ingestão de um planeta (massas de Júpiter) poderia, em teoria, depositar uma quantidade fresca de Li na superfície da estrela, explicando a anomalia.20
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Resultados do Estudo C3PO e Debate: Estudos recentes, nomeadamente o inquérito C3PO III (Commensal Components of Common Progenitors Origin), lançaram dúvidas sobre a universalidade desta assinatura. Ao comparar pares de estrelas gémeas (nascidas juntas e com a mesma composição inicial), os investigadores descobriram que a dispersão natural (intrínseca) da abundância de Li pode ser de 0,35 a 0,6 dex, o que é suficiente para mascarar o sinal de um evento de engolimento típico.22
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Isto sugere que nem todas as gigantes ricas em Li engoliram planetas; mecanismos internos como o processo de Cameron-Fowler (produção de Li via decaimento de Berílio-7 em fases de mistura profunda) podem ser responsáveis por muitos destes casos.23
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No entanto, a coincidência de excesso de Li com outras anomalias (rotação rápida) continua a ser um forte indicador de ingestão em casos individuais.7
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Rotação Rápida e Atividade Magnética
As estrelas gigantes, ao expandirem-se, sofrem uma travagem rotacional severa devido à conservação do momento angular ($L = I\omega$). Uma gigante vermelha típica deveria rodar muito lentamente.
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Spin-up por Transferência de Momento Angular: A espiralização de um planeta transfere o seu momento angular orbital para o envelope da estrela. Para planetas massivos, esta injeção é suficiente para acelerar a rotação superficial da estrela de forma mensurável.7
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Evidência Observacional: Foram identificadas populações de gigantes vermelhas de rotação rápida que desafiam os modelos de evolução estelar isolada. O estudo de sistemas como KIC 9780154 revela discrepâncias cinemáticas (superfície a rodar mais rápido que o interior) que apontam fortemente para uma interação externa recente.25
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Rejuvenescimento Magnético: A rotação rápida reativa o dínamo estelar. Estas estrelas exibem frequentemente forte atividade cromosférica (emissão nas linhas Ca II H&K), manchas estelares e erupções (flares), comportando-se como estrelas muito mais jovens.24 A sismologia estelar tem sido usada para sondar os campos magnéticos internos destas estrelas, revelando núcleos fortemente magnetizados que podem influenciar as taxas de rotação.28
Assinaturas de Elementos Refratários
Além do Li, a ingestão de material planetário deve alterar a metalicidade fotosférica.
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Padrões de Abundância: Planetas rochosos (ou núcleos de gigantes gasosos) são ricos em elementos refratários (Fe, Si, Ti) e pobres em voláteis (C, O, N). A acreção deste material deve produzir uma correlação positiva entre a temperatura de condensação dos elementos e a sua sobreelevação na fotosfera estelar.1
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Vantagem sobre o Lítio: Ao contrário do Li, os elementos refratários não são destruídos nem criados no interior estelar nestas fases, tornando esta assinatura potencialmente mais robusta e menos sujeita a falsos positivos decorrentes da nucleossíntese interna.30
Estudos de Caso e o Destino dos Sistemas Planetários
A teoria do engolimento planetário permite-nos agora fazer prognósticos detalhados para sistemas exoplanetários específicos e para o nosso próprio Sistema Solar.
O Sistema Rho Coronae Borealis: Um Relógio em Contagem Decrescente
Rho Coronae Borealis ($\rho$ CrB) é um laboratório natural para estudar este futuro sombrio. Trata-se de uma estrela análoga solar (tipo espectral G0V), situada a 57 anos-luz, que está prestes a abandonar a Sequência Principal.2 O sistema abriga quatro planetas conhecidos ($e, b, c, d$).
Tabela 2: Prognóstico de Sobrevivência para o Sistema Rho CrB
| Planeta | Massa (MTerra) | Período (dias) | Distância (UA) | Prognóstico Evolutivo | Mecanismo de Destruição | Fonte |
| $\rho$ CrB e | 3.79 | 12.9 | 0.106 | Condenado | Engolimento durante a fase inicial RGB. Destruição por evaporação ou marés. | 5 |
| $\rho$ CrB b | $\sim 300$ ($M_J$) | 39.8 | 0.22 | Condenado | Engolimento na fase RGB. A sua massa elevada pode induzir spin-up significativo na estrela. | 5 |
| $\rho$ CrB c | $\sim 25$ | 102 | 0.41 | Condenado | Engolimento na fase RGB. | 5 |
| $\rho$ CrB d | $\sim 22$ | 282 | 0.83 | Incerto/Limítrofe | Engolimento breve na fase AGB. Pode sobreviver se a perda de massa estelar for rápida o suficiente para expandir a órbita. | 5 |
O estudo de Kane (2023) indica que a estrela entrará na fase de gigante vermelha em 1,0 a 1,5 mil milhões de anos. A probabilidade de sobrevivência do planeta d depende criticamente da taxa de perda de massa da estrela durante os pulsos térmicos da fase AGB; ele pode emergir como um mundo transformado em órbita de uma anã branca.2
O Destino do Sistema Solar
O nosso Sol, com cerca de 5 mil milhões de anos, seguirá um caminho semelhante daqui a outros 5 mil milhões de anos.
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Mercúrio e Vénus: Serão inequivocamente engolidos durante a expansão solar inicial.3
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A Terra: O destino da Terra é objeto de debate. Embora a expansão solar possa atingir 1 UA, a perda de massa solar fará com que a órbita da Terra se expanda. No entanto, o arrasto de maré atua no sentido oposto. As simulações mais recentes sugerem que o efeito de maré dominará, arrastando a Terra para a atmosfera solar.35 Mesmo que sobreviva dinamicamente, a superfície será esterilizada pela luminosidade extrema muito antes do engolimento físico.36
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Júpiter e Saturno: Sobreviverão, mas migrarão para o exterior devido à perda de massa solar. As suas atmosferas sofrerão erosão significativa devido ao vento solar intenso e à radiação UV extrema durante a fase de gigante.
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Migração da Zona Habitável: Durante a fase de gigante vermelha, a zona de temperatura compatível com água líquida deslocar-se-á para o sistema solar exterior (entre Júpiter e Neptuno). Luas geladas como Europa e Titã poderão descongelar temporariamente, tornando-se mundos habitáveis transientes por escalas de tempo de milhões de anos.34
O Paradoxo de 8 Ursae Minoris (Baekdu)
O sistema 8 UMi apresenta um desafio interessante à teoria. A estrela é uma gigante vermelha que queima hélio no núcleo, o que implica que já passou pela fase de expansão máxima da RGB. No entanto, possui um planeta (Halla) numa órbita próxima que deveria ter sido engolido.
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Cenários de Sobrevivência: A explicação principal é que 8 UMi resultou da fusão de duas estrelas anãs (uma fusão estelar binária). Esta fusão teria interrompido a evolução normal para gigante vermelha, impedindo a estrela de atingir o tamanho máximo que teria destruído o planeta Halla.37 Este caso ilustra como a história dinâmica binária pode “salvar” planetas da destruição prevista.
Distinção entre Planetas e Anãs Castanhas
Uma questão crítica na observação de transientes como ZTF SLRN-2020 é a distinção entre o engolimento de um planeta gigante e de uma anã castanha. Embora exista uma continuidade de massa, os resultados evolutivos diferem.
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Definição e Continuidade: A distinção física baseia-se na fusão de deutério (limite $\sim 13 M_J$). No entanto, para efeitos de engolimento, a densidade é o fator crucial. Anãs castanhas são significativamente mais densas que gigantes gasosos.38
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Curvas de Luz e Energia: O engolimento de uma anã castanha liberta mais energia gravitacional devido à sua maior massa, gerando transientes potencialmente mais luminosos e duradouros que as SLRNs planetárias.40
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Sobrevivência em Envelope Comum: Devido à sua maior massa e densidade, as anãs castanhas têm maior probabilidade de sobreviver à fase de envelope comum sem serem completamente destruídas. Em vez de se fundirem com o núcleo, podem ejetar o envelope estelar e acabar numa órbita muito curta em torno do núcleo remanescente (anã branca), formando sistemas binários compactos. A descoberta de anãs castanhas em órbitas próximas de anãs brancas (como WD0137-349) confirma este canal evolutivo.41 Planetas como Júpiter, sendo menos densos e massivos, são mais propensos a evaporação total ou disrupção de maré antes de conseguirem ejetar o envelope.42
Demografia Galáctica e o Futuro com o LSST
ZTF SLRN-2020 foi apenas o começo. A estatística sugere que estes eventos são comuns na Via Láctea.
Taxas de Ocorrência
Estudos baseados na população de exoplanetas de curto período e na taxa de evolução estelar estimam que ocorram entre 0,1 e alguns eventos de engolimento por ano na nossa Galáxia.9
Esta taxa situa as SLRNs numa classe de transientes “raros mas detetáveis”, preenchendo a lacuna de luminosidade entre as novas clássicas e as supernovas (os chamados Gap Transients).
O Papel do Observatório Vera C. Rubin (LSST)
O futuro da área depende de levantamentos de grande campo. O Observatório Vera C. Rubin, através do seu Legacy Survey of Space and Time (LSST), será transformador.
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Profundidade e Cadência: O LSST mapeará o céu do hemisfério sul com uma profundidade que permitirá detetar SLRNs não apenas na vizinhança solar, mas em grande parte do disco galáctico e até nas Nuvens de Magalhães. A cadência frequente de visitas permitirá capturar a morfologia completa da curva de luz, distinguindo estes eventos de outras variáveis.44
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Estatística de Populações: Espera-se que o LSST descubra uma amostra estatisticamente significativa destes eventos. Isto permitirá:
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Determinar a função de luminosidade das SLRNs.
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Correlacionar a massa do progenitor com a energia do transiente.
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Testar se a “falta” de planetas de curto período em torno de gigantes (o Period Valley) é inteiramente explicada por engolimento.47
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Sinergia com o Infravermelho: O sucesso da identificação de ZTF SLRN-2020 dependeu do NEOWISE. O futuro acompanhamento de alertas do LSST com telescópios espaciais infravermelhos (como o Nancy Grace Roman Space Telescope ou JWST) será essencial para confirmar a presença de poeira e validar a natureza planetária dos transientes.17
Implicações para a Arqueologia Galáctica
O engolimento planetário introduz um ruído sistemático na “etiquetagem química” (chemical tagging) usada em arqueologia galáctica. Se 10-20% das estrelas consomem material planetário, as suas abundâncias superficiais deixam de refletir fielmente a nuvem de gás primordial onde nasceram. Isto complica a identificação de membros de aglomerados dispersos ou correntes estelares baseada apenas na composição química, exigindo modelos que incorporem a poluição planetária como um fator padrão na evolução química.20
A investigação sobre estrelas envelhecidas engolindo gigantes gasosos transitou de uma curiosidade teórica para uma disciplina observacional robusta. O evento ZTF SLRN-2020 validou o mecanismo básico: um processo prolongado de decaimento orbital, ejeção de poeira precursora e um transiente ótico de baixa luminosidade culminando na destruição do mundo.
As implicações deste fenómeno permeiam toda a astrofísica moderna. Explica anomalias espectroscópicas (lítio) e cinemáticas (rotação) em gigantes vermelhas, define o limite da arquitetura planetária em sistemas evoluídos e fornece uma previsão sóbria, mas cientificamente precisa, para o fim do nosso próprio Sistema Solar. Com a entrada em funcionamento do LSST, estamos prestes a mapear a demografia da morte planetária, revelando como a destruição dos mundos contribui para a evolução química e dinâmica da Galáxia.
Tabela 3: Comparação de Classes de Transientes Estelares Vermelhos
| Parâmetro | Nova Clássica | Fusão Estelar (LRN) | Engolimento Planetário (SLRN) |
| Fonte de Energia | Fusão Termonuclear (Superfície) | Energia Orbital / Colisão Estelar | Energia Orbital / Fricção Planetária |
| Energia Total (erg) | $10^{44} – 10^{45}$ | $> 10^{44}$ | $\sim 10^{41} – 10^{42}$ |
| Objeto Secundário | Anã Branca (Acretor) | Estrela (MS ou Gigante) | Planeta ou Anã Castanha (< 13-60 $M_J$) |
| Duração do Pico | Dias a Semanas | Semanas a Meses | Dias a Semanas |
| Assinatura de Poeira | Variável | Comum (Pós-fusão) | Dominante e Precursora |
| Exemplo Típico | GK Persei | V1309 Scorpii | ZTF SLRN-2020 |

